O Ultimo Dia


Levantei-me delicadamente, e notei que estava só naquele recinto, e então percebi que meu dia havia chegado. Preparei o café como se tudo fosse o ultimo. Após tomá-lo, não me preocupei em fazer os afazeres de casa. Coloquei minha camisa azul que havia ganhado de mamãe no meu ultimo aniversário que ela esteve presente, e minha bermuda jeans que minha esposa com tanto carinho havia me dado. Sai pela porta da sala e sentei em uma daquelas cadeiras de balanço. Fiquei a observar tudo ao meu redor de modo que nunca tinha parado para observar. Tudo parecia mais verde agora, as plantações, os pastos, as flores. E o estabulo, a quanto tempo eu não ia lá? Levantei-me e percebi que me encontrava mais disposto do que nunca, mesmo estando com 74 anos. Cheguei ao estabulo e avistei cinco ou seis de meus cavalos de corrida a brincarem uns com os outros. Me aproximei a fim de melhor admirar aquele ultimo momento que me encontraria ali. Quando eles me viram, ficaram alegres e vieram em minha direção me tratando com carinho de forma que nunca tinham se aproximado de mim. Me emocionei e retribui todo o carinho com que me serviram durante todos aqueles anos. Fiquei durante alguns minutos ali, a acariciar a cabeça de cada um deles, quando percebi que devia ir, e mesmo que eles não me entendessem, fiz minha breve despedida para com eles. Sai do estabulo e encaminhei-me para a estufa de minha esposa. Ao abrir a porta e ver toda aquela variedade de cores e perfumes me perguntei: A quanto tempo não entrava ali? Me aproximei de um vaso de rosas brancas, eram tão belas que roubavam a visão de quem ali chegava, elas deviam ter um metro de altura e se sobressaia entre todas as outras flores, não havia como não admirá-la. E quando me virei, uma flor de coloração roxa me chamou a atenção, ela era pequena e miúda, mas de uma beleza inexplicável, por mais pequena que fosse, parecia mais viva e intensa do que todas as outras. E enquanto admirava-a, me toquei que já havia passado muito tempo ali. Ao chegar à porta, dei uma ultima olhada para toda aquelas cores e me emocionei com tanta beleza que sempre esteve exposta para quando eu quisesse admirar, porém nunca me “sobrava tempo”. Sai da estufa e caminhei pela fazenda. Percebi que durante toda a minha vida havia vivido ali, porém nunca consegui ter os olhos que estava tendo hoje, com tanta precisão em perceber os detalhes das pequenas coisas que sempre passaram despercebidas.  Andei por uma trilha, e passei por entre as plantações e os pastos cheios de gado, e ambos tinha uma cor diferente aos meus olhos agora. Caminhei durante mais ou menos uma hora até chegar no lugar que tanto me trazia prazer naquela fazenda inteira : a cachoeira. Me aproximei com todo o cuidado, pisando devagar em cada pedra lisa que ficava em torno do rio. Molhei meus pés na água fria e senti minúsculos peixes me beliscarem. Andei dentro da água até, lentamente deitar-me sobre ela, e percebi que pela primeira vez eu flutuava, foi uma sensação relaxante que se fez em meu corpo, não pude contar o relaxamento dos músculos tirando toda a tenção que me dominava antes. O sol batia em meus olhos fazendo-me fechá-los, e, com os olhos fechados pude melhor ouvir os passarinhos cantarem sobre as arvores, melodias encantadores e todos em sincronia. Desejei que aquele momento nunca acabasse. O cheiro de mata me fez lembrar de todas as outras vezes que estive ali. Permaneci durante uma hora ali. Foi quando o sol começou a bater com menor intensidade em meus olhos, e percebi que nuvens começavam a tampar-lhe. Levantei-me e fui saindo da mata fechada, mas quando me distanciava, olhei uma ultima vez para trás e me despedi daquele local tão prazeroso que eu não mais voltaria a vê-lo. Quando voltava  senti uma gota cair em meu ombro direito, e outro, e outro, e logo se iniciou uma chuva forte a cair sobre mim. Não corri, apenas continuei minha caminhada. De repente senti um cheiro forte de terra molhada e meu coração foi automaticamente transportado ao meu ultimo banho de chuva, que tomara aos treze anos. Foi delicioso reviver aquele lembrança que por mais que eu não a havia lembrado durante todos aqueles anos, agora parecia real em minha mente. Cheguei ao meu recinto, e, apesar da chuva, tudo estava muito calmo. Fui até o quarto de Clarice e eu, e as lembranças de nossos momentos de amor ali vieram todos à tona, a senti ao meu lado naquele instante, e se não fosse a morte tê-la levado a seis meses atrás, ela poderia estar ali, relembrando junto a mim. E então não me senti só, sim, ela estava ali, observando cada gesto meu, cada libertação de sentimentos aprisionados que eu nunca havia permitido que viessem à tona um só dia. As lágrimas escorreram sobre minha face, e senti suas delicadas mais a acariciarem meu rosto, já envelhecido pelo tempo. Ela estava a me abraçar e eu pude sentir seu calor novamente, e então, como em um sussurro, a disse sorrindo: “ logo estarei com você, meu amor”  e, não sei se era fruto da minha imaginação, mas pude vê-la sorrindo para mim, com um satisfação imensa com a minha noticia, que ela parecia já saber. Após alguns instantes comoventes então ao lado dela, me desloquei até a varanda, e sentei-me. Fiquei a admirar cada detalhe daquele lugar. Olhei no relógio, ele marcava 2:35 p.m. Então senti meus dedos começarem a formigar, minha pernas eu não mais sentia, entrei em desespero, mas Clarice veio e segurou minhas mãos, então acalmei-me. Percebi meu coração fraco e então, ele não bombeava mais sangue. Minha mente foi se escurecendo, e eu senti a leveza em meu corpo. Agora eu o via sentado na cadeira de fio da varanda, como se dormisse. E um clarão se fez atrás de mim, e lá estava Clarice, com os braços estendidos, me chamando, para que eu fosse ao encontro dela, teus olhos choravam porém teus lábios sorriam de forma encantadora. Fui ao encontro dela, fui ao encontro do meu amor.




Escrevi este texto a algum tempo atrás, e confesso que esqueci dele. Então ao lê-lo, resolvi postar para vocês. (:

4 comentários:

  1. É um texto bastante descritivo, mas passa uma lição de vida por trás dela. Saber aproveitar o mínimo detalhe da vida é uma maneira de não ter arrependimentos desnecessários na hora da partida. Não são todos que tem a oportunidade de saber o dia e o momento da morte, como esse senhor teve, no entanto, ele aproveitou seus últimos momentos e dedicou a olhar toda aquela paisagem e sentir as sensações passadas de todo aquele campo. Seguindo, querida.

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  2. É exatamente isso que quis passar com o texto, que além de ser beeeeem grande, é um tanto produtivo. (euacho)
    Volte sempre arianne *-*

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  3. eu só queria dizer, que eu, literalmente, amei esse texto! tá lindo demais. mostra que a vida tem de ser aproveitada ao máximo. Que se déssemos valor ao que temos a nossa volta antes que acabe, seríamos pessoas mais felizes! Está lindo demais o texto, comprido, porém tem um conteúdo incrível.
    meus parabéns amiguinha! sucesso sempre.

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  4. Meu Deus heim?
    De onde sai tanto talento?
    Esse texto tá muito bom, você já pensou em ser escritora msm?
    Adorei, um beijo.

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