
A música calma terminou e logo
veio uma mais agitada. Era a voz de Laura Pausini a cantar “Con la musica em la
rádio”, uma das minhas canções preferidas. E em meio ao entendimento e
reflexão, pude ouvir passos a se chocarem contra o piso. A movimentação me fez
abrir os olhos e se deparar com a minha imagem a dançar ao som do refrão,
tentando alcançar a mesma afinação da cantora. A imagem era um pouco menos
sólida e eu podia ver através dela. Estava de olhos fechados e ia de um lado
para o outro como quem é dominada pela sintonia entre o corpo e a música. Até
que “aquela eu” abre os olhos e sorri enquanto continua a dançar. Eu não estava
assustava, apenas queria entender por que estava vendo a mim mesma, por que não
podia ouvir mais o som da chuva, por que não podia ser normal como toda a
sociedade.
- Não é legal ser como todos os
outros, acredite! A loucura que é o lado divertido desta vida. – responde o meu
eu enquanto continuava a dançar.
Ela podia ouvir meus pensamentos,
é claro. Aquela sua resposta sempre foi comum me vir a mente e eu acreditava
plenamente nela. Pus-me em um diálogo um tanto incomum enquanto se sentava na
cama e acompanhava com os olhos o meu dançar desajeitado. Chegou ao fim àquela
canção e começou outra, um pouco mais calma e eu, ela, minha alma continuava a
dançar. Comecei a pensar nas outras pessoas, nos seus romances, nas suas vidas.
Desde a minha infância eu já me sentia diferente, a solidão era a única
companheira das noites sofridas, e folhas em branco eram preenchidas de
lágrimas traçadas em versos de uma sonhadora. Eu só queria uma canção dedicada,
um amor simples, a alegria de uma casa cheia de crianças a derrubarem objetos e
distraírem a mim.
- Não queira ser normal. Milhares
de pessoas chegam e logo se vão sem ao menos entender o sentido disso tudo,
anexadas a uma monotonia que não as permite parar para pensar e perceber que é
uma loucura viver. Seus empregos, a correria, o buscar incansável de uma
velhice tranquila. Passam todos os dias pelas mesmas ruas movimentadas, a
reclamar do transito, da vida, do cansaço, exigem o máximo de si mesmas e não
se dão ao luxo de parar um pouco e perceber que aquelas ruas passam paralelas a
um mar calmo, frio e de espumas relaxantes. Você já consegue molhar os joelhos
neste mar como ninguém. Quem te olha nos olhos não sabe do que se passa do lado
de dentro e por isso podem até pensar que você é louca... Quando isso acontecer,
sorriremos e agradeceremos juntas, pois a nós coube ser diferente e compreender
este mistério que rege a humanidade.
Aquela minha imagem nem se quer
movera os lábios, eu havia ouvido tudo aquilo dentro da minha própria mente. Aos
poucos a imagem foi se transparecendo até restar apenas eu novamente. Por mais que
em todas as outras vezes eu tenha sofrido, no fundo eu sempre soube que não
queria ser como os demais. Queria mesmo ser louca de entender e tirar proveito
disso. Levantei-me, e no último refrão daquela música me pus a dançar, naquela
sintonia harmoniosa entre a alma do mundo e a minha.
Ana Paula Ribeiro